ARLS Trajano Reis Nº 100 - GOP

A fixação da ritualística no inconsciente do maçom

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Muitas vezes são imperceptíveis, mas as pessoas estão cercadas de Ritos. Eles, inclusive, contribuem para o bem-estar dos indivíduos. “Os ritos e rituais vêm da antiguidade com a mesma função: servem acima de tudo para facilitar o encontro com nós mesmos, para não nos desviarmos dos nossos objetivos e metas que traçamos com sinceridade; são uma ferramenta para nos lembrar quem somos, o que estamos fazendo e como estamos fazendo”, segundo España (2017).

Utilizados de forma equilibrada, os ritos ajudam o ser humano a ter mais autocontrole, a estar mais centrado nas ações que desempenham, impedindo-o de desconectar dele mesmo, e por isso, podem e devem ser criados e respeitados, como forma de trazer um ganho geral, melhorando sua motivação e consequentemente tudo ao seu redor.

Por exemplo, a estratégia utilizada para chegar ao trabalho diariamente pode ser considerada um hábito próprio que condiciona uma pessoa a sair sempre no mesmo horário, seguir pelos mesmos trajetos e alcançar o destino sem maiores problemas. Assim, desde o simples escovar dos dentes até a forma de encarar e resolver problemas complexos podem ser reflexo de um acúmulo de experiências próprias.

Entretanto, o que torna essas ações cotidianas em ritos são os significados que se dão a elas. Se escovar os dentes depois da alimentação ou antes de dormir traz uma sensação de bem-estar que supera simples fato de manter a higiene bucal, influenciando na sua concentração, pode-se estar diante de uma ritualística. Quando uma alteração no transcorrer dessas ações cotidianas, como a mudança no trajeto para o trabalho, influencia no desempenho de uma pessoa ou a fazer crer que gerou um descontrole na sua performance rotineira, e até chega a atrapalhar todas as demais atividades que serão desenvolvidas em seguida, pode-se constatar que houve a quebra de um rito. O grau de importância e significação que se atribui a determinados atos é que os tornam ritualísticos.

Além das experiências pessoais, destacam-se as cerimônias grupais, como as festas, tradições, funerais e outros comportamentos sociais, que desempenham importante papel na vida de um grupo. A ausência de uma solenidade nessas ocasiões pode ser encarada como um desrespeito e anulando a importância da passagem ou transição, reduzindo a ocorrência de um acontecimento que estabelece distinções muitas vezes entre estilos e modos de vida, o antes e o depois. Além disso, a ritualística assume uma “importância simbólica no processo de elaboração e assimilação de uma realidade subjetiva, mas com implicações de ordem prática, uma vez que envolve valores e posturas, na forma de se ver e se colocar no mundo.” (Diário de Antropóloga, 2009).

A identificação entre os membros de um grupo pode estar ligada à prática de ritos predeterminados, que são realizados muitas vezes sem entendimento de seus significados, como forma de aceitação pela coletividade e permanência nela. Todavia, é importante compreender os ritos sugeridos e alcançar seus significados, até como forma de solidificação da inserção coletiva. “Quando a integração não acontece a contento, o grupo se enfraquece, assim como o ritual. Antes que afete sua identidade como um grupo, a coesão entre os membros é impactada e seus laços sociais e afetivos não são reforçados. A experiência ritual favorece os laços sociais e a coesão do grupo” afirma Ritter (2015), que leciona ainda que:

É na necessidade humana de simbolização que os ritos encontram o caminho para existir, quer na repetição de rituais estabelecidos, quer pela atualização ou construção de novos. O simbólico é funcional na medida em que propicia a expressar e compreender uma experiência, ou conferir sentidos às vivências e à existência, ou ainda para olhar além de si mesmo e conviver na esfera coletiva. Mesmo que se valha de hábitos ou comportamentos repetitivos, com frequência e insistência nascem rituais que nos levam além do nosso comportamento e além de nossa individualidade, agregando sentidos e significados à nossa existência.

Os seres humanos atribuíram ao longo da história importâncias e significados a determinadas ações, e se sentem bem em repeti-las individual ou coletivamente, criando os mais diversos ritos para eventos grandes, formais, pequenos, públicos ou privados. Para Aristóteles “somos o que fazemos repetidamente. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito”.

Conceitualmente, rito é um método utilizado para transmitir ensinamentos, funciona como uma lei, e segundo Ismail (2013) “é um conjunto de preceitos e obrigações gerais que produz efeitos sobre aqueles que estão sob seu alcance. Assim como uma lei, um Rito reflete princípios que o orientam, possui elementos históricos, além de buscar um objetivo específico”.

O ritual “é como uma instrução normativa, um manual de procedimentos que determina e regulamenta como essa lei deve ser praticada e observada” (ISMAIL, 2013), um livro que contém tudo referente ao rito, ou seja, um conjunto de regras, a ordem e a forma das cerimônias, religiosas ou não, com as palavras e orações, que orientam os praticantes do rito.

Já ritualística é a prática do rito segundo o ritual, isto é, a ritualística é o desdobrar do rito e precisa ser sempre fiel a ele e ao que está contido em determinado ritual. O rito em ação é a ritualística, com o exercício continuado dos mistérios observando os símbolos, princípios, preceitos e representações.

Analisando a questão sob o aspecto maçônico, destaca-se o ensinamento de Mackey (1869):

A Maçonaria é um sistema de moralidade desenvolvido e inculcado pela ciência do simbolismo. Este caráter peculiar de instituição simbólica e também a adoção deste método genuíno de instrução pelo simbolismo, emprestam à Maçonaria a incolumidade de sua identidade e é também a causa dela diferir de qualquer outra associação inventada pelo engenho humano. É o que lhe confere a forma atrativa que lhe tem assegurado sempre a fidelidade de seus discípulos e a sua própria perpetuidade.

Neste sentido, afirma Figueiredo (1998) que:

A Maçonaria é um sistema sacramental que, como todo sacramento, tem um aspecto externo visível, consistente em seu cerimonial, doutrinas e símbolos, e acessível somente ao maçom que haja aprendido a usar sua imaginação espiritual e seja capaz de apreciar a realidade velada pelo símbolo externo.

Além disso, como a Maçonaria é uma sociedade iniciática adotou uma linguagem simbólica e ritualística para registro de seus ensinamentos, através de ritos, anotados em rituais, para que somente os iniciados em seus mistérios possam praticá-los, o que pode ser constatado desde os primeiros registros como o Manuscrito Regius de 1390 (FILARDO, 2015).

Constata-se, portanto, a importância pessoal, social e iniciática, especialmente para a Maçonaria, dos ritos e ritualísticas, mas “o mundo moderno, entretanto, rejeita os rituais”, afirma Freitas Neto (2016), e complementa que: Vemos com grande frequência o desdém com que os mais jovens e os mais velhos tratam os rituais maçônicos como meras fórmulas vazias, lidos e repetidos automaticamente, sem força e vitalidade.

Destaca-se as observações de Mckay e Mckay (Apud FREITAS NETO, 2016):

A superficialidade estéril do mundo moderno tem seu fundamento em muitas questões, como o consumerismo irrefletido, a falta de desafios significativos e a perda de valores e normas compartilhados, ou mesmo de tabus compartilhados contra os quais se rebelar.

Nosso mundo moderno está quase vazio de rituais – ao menos no modo em que tradicionalmente pensamos neles. Aqueles que restam – como os que estão nos entornos dos feriados religiosos – perderam boa parte do seu poder transformativo e são hoje mais suportados do que propriamente apreciados, dos quais participamos mais por convenção do que por convicção. Ritual, hoje, é algo associado ao que é podre, vazio, sem sentido.

O fato de que toda cultura, em toda parte do mundo, em todas as eras, tem seus rituais é sugestivo de que o ritual é parte fundamental da condição humana. Os rituais já foram chamados, inclusive, da forma mais básica de tecnologia; são um mecanismo pelo qual coisas podem ser mudadas, problemas podem ser resolvidos, certas funções podem ser desenvolvidas e resultados tangíveis, atingidos. A necessidade é a mãe da invenção, e rituais surgiram da perspectiva límpida de que a vida é intrinsecamente difícil e que uma realidade “pura” pode, paradoxalmente, parecer irreal. Por eras os rituais foram os instrumentos pelos quais os homens puderam liberar e expressar emoções, construir sua identidade pessoal e a identidade da tribo, trazer ordem ao caos, orientar-se no tempo e no espaço, produzir transformações reais e construir camadas de significado e consistência para suas vidas. Quando os rituais são arrancados de nossa vida e esta necessidade humana não é satisfeita a apatia, inquietação, alienação, tédio, a perda das raízes e a anomia são o resultado.

Na atualidade, para muitas pessoas a prática de ritualísticas tornou-se ultrapassada, e em muitos casos é vista com preconceito e desdém. A observação dos ritos, inclusive maçônicos, é realizada de forma superficial, e a ritualística realizada de forma mecânica, sem qualquer preocupação com o significado e importância das mensagens e conceitos que os símbolos, palavras e gestos acumulados ao longo de séculos de atividade, decorrente de uma exagerada racionalidade e cientificidade, que terminou por destacar o lado consciente do homem moderno, o que termina por acarretar consequências desastrosas para o desenvolvimento do inconsciente humano.

Conforme Tavares (2018, informação verbal)[1] os ritos, mitos, símbolos são importantes no desenvolvimento da Psique, que segundo os psicanalistas está envolvida com o inconsciente, e responsável pelo crescimento e libertação do homem, ajudando-o a se encontrar interiormente. Deve-se considerar que a Simbologia é uma das ciências mais antigas do mundo, que possui seus sinais e efeitos sobre a humanidade. O homem e seus símbolos tem uma relação profunda que consistem em metáforas e na construção de compêndios de um conhecimento sensivelmente elevados, externados e expressados através de arquétipos.

Um arquétipo rege um símbolo (TAVARES, 2018). O grande imã que une os arquétipos aos símbolos e seus significados é o próprio homem, sendo necessário praticar sempre, para evoluir e continuar a crescer intimamente como indivíduo, gerando uma situação de satisfação interna, pois os símbolos e gestos funcionam como catalizadores das ações humanas como uma força psicológica, em um processo contínuo que leva o indivíduo a um avanço moral e ético, buscando estar bem e fazer o bem. O rito é uma forma de transmitir ensinamentos básicos e organizar as solenidades, especialmente maçônicas, através de um processo de troca de energia e renovação, sendo necessário tocar o símbolo e ser tocado por ele. No rito maçônico há três estágios, sendo no 1º grau do Simbolismo, o aprendizado, no 2º estágio, o desenvolvimento do caráter, e no grau de Mestre, encontra-se a plenitude, auxiliando o iniciado a lidar com a ambivalência entre o consciente e o inconsciente. A ritualística auxilia no desenvolvimento do caráter, auxilia “o outro” que existe dentro do indivíduo, já identificado como Psique, envolvido com o inconsciente e o instinto, e que ajuda o sujeito a lidar com seu consciente.

A racionalização do mundo atual, que reduz a importância da ritualística, termina por causar prejuízo ao inconsciente, e contribuindo para que o ego, ligado ao consciente, enfraqueça e adoeça. Para Jung (2017):  O homem moderno não entende quanto o seu “racionalismo” (que lhe destruiu a capacidade de reagir a ideias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do “submundo” psíquico. Libertou-se das “superstições” (ou pelo menos pensa tê-lo feito), mas nesse processo perdeu seus valores espirituais em escala positivamente alarmante. Suas tradições morais e espirituais desintegraram-se e, por isso, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociação universais.

Os antropólogos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando seus valores espirituais sofrem o impacto da civilização moderna. Sua gente perde o sentido da vida, sua organização social se desintegra e os próprios indivíduos entram em decadência moral. Encontramo-nos agora em condições idênticas. Mas na verdade não chegamos nunca a compreender a natureza do que perdemos, pois os nossos líderes espirituais, infelizmente, preocuparam-se mais em proteger suas instituições do que em entender o mistério que os símbolos representam. Na minha opinião, a fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas, infortunadamente, numerosas pessoas religiosas parecem ter tamanho medo da ciência (e, incidentalmente, da psicologia) que se conservam cegas a essas forças psíquicas numinosas que regem, desde sempre, os destinos do homem. Despojamos todas as coisas do seu ministério e da sua numinosidade; e nada mais é sagrado.

Em épocas remotas, quando conceitos instintivos ainda se avolumavam no espírito do homem, a sua consciência podia, certamente, integrá-los numa disposição psíquica coerente. Mas o homem “civilizado” já não consegue fazer isso. Sua “avançada” consciência privou-se dos meios de assimilar as contribuições complementares dos instintos e do inconsciente. E esses meios de assimilação e integração eram justamente os símbolos numinosos tidos como sagrados por um consenso geral.

À medida que aumenta o conhecimento científico, diminui o grau de humanização do nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos porque, já não estando envolvido com a natureza, perdeu a sua “identificação emocional inconsciente” com os fenômenos naturais. E estes, por sua vez, perderam aos poucos as suas implicações simbólicas (…). Acabou-se o seu contato com a natureza, e com ele foi-se também a profunda energia emocional que esta conexão simbólica alimentava.

A racionalidade e a cientificidade não são prejudiciais ao desenvolvimento humano, mas não devem ser encarados de forma maniqueísta, anulando o lado mítico e simbólico da humanidade, até mesmo porque a acompanha desde sua fase embrionária, e ainda está presente nos dias atuais, apesar de mitigada sua importância. Os ritos tradicionais que alimentavam o inconsciente humano perderam espaço e deram lugar a novos que “não dão sustança ao espírito e não satisfazem”, como uma “cultura do confete” (MCKAY; MCKAY, apud FREITAS NETO, 2016).

Desta forma, a sociedade “moderna” está carente dos mecanismos que antes ajudavam a lidar com a morte e situações difíceis de perda e dificuldade, bem como auxiliavam no desenvolvimento individual e na descoberta interna e do mundo, por novos “rituais” que eliminam os problemas e somente apresentam o lado lúdico, “brilhante e colorida, que facilita o consumo passivo e rejeita o exame aprofundado das assunções” (MCKAY; MCKAY, apud FREITAS NETO, 2016). Destarte, não é difícil encontrar pessoas com complicações na vida pessoal e no enfrentamento dos problemas sociais e de relacionamento, em proporções maiores que em tempos mais remotos.

Na Maçonaria, os ritos ainda sobrevivem às mudanças da “atual civilização”, e sua prática constante reforça o lado inconsciente do Maçom, que deve ser trabalhado segundo seus preceitos filosóficos, auxiliando-o na convivência da Psique com a consciência, através da preservação dos conceitos éticos e morais gerais e iniciáticos, que devem reger sua vida como homem livre e de bons costumes, devendo encarar a simbologia de forma mais intensa.

Não cabe a este texto discutir as teses de como se chegou a este estágio social, mas fazer um alerta para o fato da racionalidade ampliar o consciente em detrimento do conhecimento íntimo, com reflexo estrutural da personalidade do profano ou iniciado, alterando seu amadurecimento e na forma de encarar a vida em comunidade, e para despertar sobre a importância do rito e da ritualística maçônica para o inconsciente do Maçom e conhecimento próprio.

Autor: Eduardo Albuquerque Rodrigues Diniz

Fonte: Biblioteca Fernando Pessoa

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Uma resposta

  1. Parabéns, meus irmãos pela publicação desse trabalho brilhante de autoria do Irmão Eduardo Albuquerque Rodrigues Diniz. Uma visão profunda sobre a Maçonaria e o compromisso do Maçom com a evolução da consciência sobre a vida.

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